A Constituição de 1988, marco da redemocratização, da volta dos direitos civis, deu poderes especiais ao Ministério Público, convertido em instrumento de defesa da sociedade, organismo independente, sem vínculo de subordinação a qualquer dos Poderes (Executivo, Judiciário, Legislativo), por ele fiscalizados. Mesmo no MP, no seu funcionamento, cada procurador e promotor tem sua independência.
É positivo o balanço destas mais de duas décadas de ação do Ministério Público, com destaque em processos contra corrupção. Há, é certo, mazelas. Quando, por exemplo, alguns de seus representantes usam do amplo poder do MP para fazer política, distorção da qual o maior exemplo é um bunker de procuradores militantes montado em Brasília quando o PT ainda era oposição e exercia cerrada pressão sobre o governo tucano de FH.
Para coibir este tipo de desvio, foi criado o Conselho Nacional do Ministério Público, também com funções de corregedoria, como seu co-irmão CNJ, Conselho Nacional de Justiça. Infelizmente, o CNMP não demonstra a mesma eficiência do CNJ.
Pela abrangência de atuação, o MP contraria muitos interesses e, por consequência, é alvo constante, na Justiça e no Congresso, de tentativas de limitação de seus poderes. O objetivo costuma ser cassar do MP a prerrogativa de fazer investigações por conta própria, sem depender das polícias, as quais, por sinal, estão sob o campo de supervisão do organismo.
No momento, está em fase final de julgamento do Supremo Tribunal Federal ação de um ex-prefeito de Ipanema (MG), Jairo de Souza Coelho, condenado por crime de responsabilidade. Jairo quer a revogação da sentença, sob a alegação de que as investigações são nulas por terem sido feitas pelo MP.
O ministro Cezar Peluso, relator do processo, deu razão ao prefeito. Quatro ministros — Gilmar Mendes, Celso de Mello, Joaquim Barbosa e Ayres Britto, presidente da Corte — foram em sentido contrário, mas com algumas nuances: Mendes e Mello entendem que o MP pode atuar de forma autônoma apenas em determinados crimes, entre eles os cometidos contra a administração pública.
Considerando os votos antecipados mas ainda não formalizados, há, por enquanto, uma divisão no tribunal. Em boa hora, na retomada do julgamento, no final de junho, o ministro Luiz Fux pediu vista do processo. Em boa hora porque o veredicto final — que pode derrubar inúmeras sentenças — não deve vir, aconselha o bom-senso, às portas do julgamento do mensalão, em que o MP teve importante papel. Ações como esta do ex-prefeito se aproveitam de imprecisões no texto constitucional para tentar livrar condenados por provas levantadas por procuradores e promotores.
Outra grande ameaça — em princípio, maior que o julgamento suspenso no STF — é a proposta de emenda constitucional (PEC) nº 37, do ano passado, de autoria do deputado Lourival Mendes (PTdoB-MA), não por acaso delegado de polícia. Sugestivamente batizada de “PEC da impunidade”, a iniciativa do deputado concede o monopólio de investigações às polícias federal e civil. Se for aprovada, apenas o Executivo, a que estão subordinadas as corporações policiais, encaminhará inquéritos à Justiça. Um perigo.
Fonte: Jornal O Globo