CNPG divulga nota técnica sobre improbidade
- Criado: Quarta, 06 Junho 2012 14:50
- Publicado: Quarta, 06 Junho 2012 14:37
O Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG) e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP) vêm exortar a sociedade civil e a comunidade jurídica nacional, em especial os Ministros do Supremo Tribunal Federal, a não compactuarem com as tentativas de estender, às ações de improbidade administrativa, o foro por prerrogativa de função atualmente adotado na seara penal, verdadeiro símbolo da ineficiência das Instituições brasileiras no combate aos ilícitos praticados pelos altos escalões do poder.
O denominado foro por prerrogativa de função, simplesmente desconhecido por incontáveis nações civilizadas, afasta dos órgãos de base do Ministério Público e do Poder Judiciário a competência para acusar e julgar certas classes de agentes públicos pela prática de infrações penais. Apesar de a República Federativa do Brasil, desde o seu surgimento, encampar o princípio da igualdade, não se pode negar que essa prerrogativa encerra manifesta exceção a ele, a exemplo, aliás, do que se verificou na Roma antiga, em que todos os cidadãos possuíam direitos políticos, mas os escravos e os bárbaros não eram considerados cidadãos, ou, mesmo, no Brasil, em que as mulheres, em pleno século XX, apesar de nacionais, não podiam votar e não tinham a plena capacidade civil.
Trata-se, em verdade, de exemplos manifestos de como o liberalismo clássico sedimentou dogmas cujos contornos semânticos em muito destoam deConselho Nacional dos Procuradores Gerais do Ministério Público dos Estados e da União - CNPG.
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sua projeção na realidade. A retórica da igualdade é um desses exemplos, sempre contemplada em sua plasticidade formal, mas raramente materializada em toda a sua potencialidade de expansão. Daí se afirmar que, na igualdade liberal, “todos são iguais, mas alguns são mais iguais que outros” (Paulo Otero, Instituições Políticas..., 2007, p. 255).
Em rigor lógico, se o foro por prerrogativa de função termina por estabelecer um escalonamento entre certas classes de agentes públicos e a população em geral, a constatação inicial, quase intuitiva, é a de que a sua interpretação há de ser restritiva. Explica-se: se ampliarmos o foro, comprimimos, por via reflexa, a igualdade, que é objeto de exaustivas referências em nossa Constituição cidadã, tanto ao apregoá-la, como ao proscrever todas as formas de discriminação.
Especificamente em relação à improbidade administrativa, observa-se que o art. 37, § 4º, da Constituição de 1988 a ela faz referência ao dispor que a sua prática acarretará a punição do agente público, “sem prejuízo da ação penal cabível”. Portanto, trata-se de ilícito de natureza extrapenal, o que foi expressamente reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal ao declarar a inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do art. 84 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 10.628/2002, que haviam estendido o foro por prerrogativa de função às ações de improbidade (vide ADIs nº 2.797/DF e 2.860/DF). Em consequência, não absorve ou é absorvido pelas infrações penais passíveis de serem praticadas, com especial ênfase para o crime de corrupção, que tantas agruras tem trazido ao povo brasileiro. A mesma ordem constitucional que distingue o crime da improbidade administrativa somente estende o foro por prerrogativa de função ao primeiro, não à última.
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Argumenta-se que, em razão da severidade das sanções cominadas, a mesma prerrogativa assegurada na seara penal deveria ser estendida às ações de improbidade. Lembrando Emerson Garcia (Improbidade Administrativa, 5ª ed., p. 511), devemos afirmar que “não se nos afigura possível igualar, porquanto vegetais, frutas e leguminosas, pois cada qual possui suas características intrínsecas. A competência, do mesmo modo, e isso é importante repetir, é determinada em conformidade com a natureza da matéria versada, o que impede a extensão do foro por prerrogativa de função, sob os auspícios de uma pseudo “força de compreensão”, às ações de natureza cível”.
Outro argumento corriqueiro é o de que deixar o processo e o julgamento das ações de improbidade no âmbito das instâncias ordinárias seria legitimar a “perseguição política”. Esse argumento, para dizer o menos, é simplesmente desrespeitoso. Será que milhares de juízes e membros do Ministério Público, alçados às suas funções após a aprovação em rigorosos concursos públicos de provas e títulos, não têm idoneidade para atuar em ações dessa natureza? Ou será que o sistema processual brasileiro, um dos mais pródigos do mundo em matéria recursal, não oferece recursos suficientes para que o “perseguido” suspenda ou, mesmo, reverta os efeitos de uma decisão desfavorável nas instâncias ordinárias.
Estender o foro por prerrogativa de função às ações de improbidade administrativa significa concentrar, em um reduzido número de órgãos, as ações de processar e julgar, dificultando ao máximo a investigação e a probabilidade de condenação. Concentração, não é demais lembrar, é a antítese da eficiência. E a quem interessa que a aplicação da Lei nº 8.429/1992, também conhecida como Lei de Improbidade Administrativa, seja dificultada ou, no extremo, inviabilizada? À
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população brasileira ou a alguns agentes públicos que ocupam os altos escalões do poder e pouco apreço têm pela honestidade? Dificultar a punição dos altos escalões do poder significa disseminar um exemplo negativo pelos escalões inferiores, contaminando toda a estrutura administrativa. Nesse particular, vale lembrar, com Alejandro Nieto (Corrupción en la España..., 1997, p. 136), que a corrupção “ama as alturas”.
Apesar de todos os paradigmas de análise caminharem em norte contrário à extensão do foro por prerrogativa de função, o Superior Tribunal de Justiça, tribunal que, nos idos de 1999, decidira que membro de Tribunal Regional do Trabalho, quando acusado da prática de ato de improbidade, deveria ser julgado em primeira instância (Corte Especial, Rec. nº 591, rel. Min. Nílson Naves, j. em 1º/12/1999, DJ de 15/5/2000), mudou diametralmente de opinião. O leading case foi a Reclamação nº 2.790/SC, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. em 02/12/2009. Em seus acórdãos, o Superior Tribunal de Justiça tem invocado a Questão de Ordem nº 3.211-0, julgada pelo Supremo Tribunal Federal em 13/03/2008, sendo relator o Ministro Menezes Direito, segundo a qual, em razão do escalonamento dos órgãos jurisdicionais, caberia ao próprio Tribunal julgar os seus Ministros por ato de improbidade.
A questão, como se sabe, está prestes a ser apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, que pode, ou não, chancelar a tese da extensão do foro por prerrogativa de função. Bem se sabe que o Tribunal, enquanto intérprete último do texto constitucional, pode identificar a existência de regras implícitas de competência, realizando o que os norte-americanos denominam de construction. Também não se ignora que a jurisdição constitucional, diversamente de uma “ilha”, não permanece isolada e indiferente ao seu entorno. Cabe a ela, a partir da
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formação jurídica, humanista e política dos seus membros, estabelecer a interação entre o texto e o contexto, encontrando, a partir daí, a norma constitucional a ser aplicada. Como desdobramento dessa operação hermenêutica, que bem reflete a metódica concretista brilhantemente desenvolvida por Friedrich Müller (Juristische Methodik...,9ª ed., 2004, p. 258 e ss.), o Tribunal encontrará conteúdos normativos compatíveis com certa época e local, já que toda norma está funcionalmente vocacionada a influir sobre o ambiente sociopolítico.
Pois bem, com os olhos voltados à questão do foro, verifica-se que o texto constitucional, longe de amparar, em seus contornos semânticos, o entendimento ora combatido, o repele, quer por restringir o foro por prerrogativa de função à seara penal, quer por repetir, à exaustão, o dogma da igualdade. Em relação ao contexto, a Lei nº 8.429/1992, há vinte anos em vigor e há vinte anos aplicada por juízes e membros do Ministério Público de base, tornou-se o único instrumento sério de combate à corrupção em um País historicamente marcado pelo desmando e pela impunidade. Acresça-se que não identificamos a existência de movimentos, na sociedade civil organizada, favoráveis e contrários à corrupção, como se houvesse um contraponto em matéria tão deletéria aos interesses nacionais, ou, mesmo, de manifestações favoráveis aos “corruptos oprimidos” por juízes e membros do Ministério Público ideologicamente comprometidos e parciais. O que se verifica, em verdade, é uma luz no fim da estrada, ainda que seja longo o caminho que devemos continuar a percorrer. Portanto, pergunta-se: a quem interessa apagar essa luz?
São essas, de modo simples e objetivo, as considerações que o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados
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