CAOCÍVEL 6 d95a6 fabd0

Família. Ação de Interdição. Curatela. Interditando portador de deficiência física.

EMENTA: FAMÍLIA. AÇÃO DE INTERDIÇÃO. CURATELA. INTERDITANDO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA FÍSICA DECORRENTE DE ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL. CAPACIDADE MENTAL PRESERVADA. NECESSIDADE DE REPRESENTAÇÃO EM VIRTUDE DA LIMITAÇÃO FÍSICA. ENCARGO, PORÉM, LIMITADO À VONTADE DO CURATELADO. APLICAÇÃO DO INSTITUTO DA CURATELA ESPECIAL, SEM INTERDIÇÃO, PREVISTA NO ART. 1.780 DO CCB/02. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70018154153, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos, Julgado em 08/03/2007)

 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento à apelação.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des. Rui Portanova e Des. Claudir Fidélis Faccenda.

Porto Alegre, 08 de março de 2007.

DES. LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS,

Presidente e Relator.

 

RELATÓRIO

Des. Luiz Ari Azambuja Ramos (Presidente e RELATOR)

Trata-se de recurso de apelação interposto por CLÁUDIO W., de sentença que julgou improcedente a ação de interdição de Guido João A. S.

Em suas razões recursais, o apelante sustenta, em síntese, que o interditando, irmão de sua esposa, é pessoa doente, sem condições de se locomover em razão de acidente vascular cerebral, residindo com o autor e sua família, estando cadastrado junto ao INSS como seu representante. Defende o reconhecimento da incapacidade do cunhado, consubtanciando o pedido nas provas acostadas.

Pugna pelo provimento do recurso, ao efeito de que seja julgada procedente a demanda.

Sem contra-razões, com a ciência do Ministério Público de 1º grau, sobem os autos a este Tribunal.

Nesta instância, a Dra. Procuradora de Justiça exara parecer pelo parcial provimento da apelação.

Observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552 do CPC, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

 

VOTO

Des. Luiz Ari Azambuja Ramos (Presidente e RELATOR)

Eminentes colegas. O interditando, cunhado do autor do pedido de interdição, contando com 49 anos de idade, sofreu acidente vascular cerebral há cinco anos, com paralisia dos membros inferiores, sem perspectiva de melhora de seu estado de saúde.

Segundo se infere, o interditando está impossibilitado de se locomover, restando ao autor a prática de atos de representação, como se verifica da procuração firmada por instrumento público, consignando a sua deficiência motora. Encontrando-se o recorrente cadastrado, inclusive, como seu representante para a retirada de benefício previdenciário junto ao INSS (fl. 09).

Apresentada, porém, perícia médica, concluiu o laudo:

“... O periciando é capaz de discernir o certo e o errado e assumir responsabilidade para os atos da vida civil e manter o diálogo coerente e entender situações que precisem da sua decisão.

A capacidade motora para movimentar braços, pernas e/ou deambular estão severamente prejudicados, sendo dependente de terceiros para alimentação, higiene e vestimenta.” (fls. 40-1)

Na verdade, o interditando possui deficiência física e não mental, assim descabendo respaldar a instituição de curatela por qualquer das hipóteses mencionadas no art. 1.7671 do CCB/02, por ausência ou redução da capacidade de discernimento, mesmo que temporária.

Nada obstante, tal como alvitra a Dra. Procuradora de Justiça, a legislação civilista de 2002 contemplou uma nova espécie de curatela, chamada especial e sem interdição, que não se destina a declarar o indivíduo portador de doença física como incapaz:

Art. 1.780. A requerimento do enfermo ou portador de deficiência física, ou, na impossibilidade de fazê-lo, de qualquer das pessoas a que se refere o art. 1.768, dar-se-lhe-á curador para cuidar de todos ou alguns de seus negócios ou bens.

Sobre a hipótese em comento, que se amolda ao caso dos autos, preleciona Arnaldo Rizzardo:

“Constitui uma inovação salutar, para resolver as situações em que a doença ou deficiência física dificulta ou impede a locomoção e o desempenho de atividades, especialmente se a pessoa está impossibilitada de se afastar da residência, ou é portadora de mal físico que lhe tira a disposição, como a paraplegia, a falta de membro inferior, a cegueira, a obesidade excessiva. Se a administração dos bens requerer a constante movimentação, viagens, esforço físico, contatos com pessoas, é conveniente a curatela para a estrita finalidade por meio da constituição de procurador, ou representante. Percebe-se que o doente ou portador de deficiência física tem as faculdades mentais perfeitamente normais, não se constatando qualquer falta de discernimento.” 2

No mesmo sentido, leciona Maria Berenice Dias:

“O portador de deficiência física ou o enfermo pode requerer que lhe seja nomeado curador para cuidar de todos ou alguns de seus negócios ou bens (art. 1.780). Cuida-se de curatela de menor extensão, até porque não se destina a um incapaz. O requerente é que definirá o âmbito de abrangência da curatela. Qualquer das pessoas legitimadas (art. 1.798) também podem requerer a curatela, mas esta só será concedida se houver a concordância do interditando.” 3

No caso dos autos, ficou consignado, no interrogatório, que o interditando demonstra consciência do objeto da demanda, assentindo na designação do cunhado para o encargo da curatela (fl. 23). E a magistrada também assinalou que ele parecia asseado, demonstrando ser bem cuidado pela família do autor, nada constando em sentido contrário ao deferimento do encargo.

Com efeito, a previsão legal visa a proteção do indivíduo limitado fisicamente, que necessite de um representante com a responsabilidade maior do que a de um simples mandatário, conforme a disposição de vontade do próprio curatelado, nos atos da vida civil para os quais se vê privado de fazer pessoalmente pela perda de movimento ou impossibilidade de locomoção.

Nessa linha, constatada somente a deficiência física do interditando, capaz de lhe impedir a execução de atos normais à própria tutela, faz-se necessária a nomeação do curador para gerir seus bens, cuja gestão será atrelada, porém, à vontade expressada pelo curatelado.

Casos análogos já foram enfrentados nesta Corte, servindo de exemplo:

 “APELAÇÃO CÍVEL. CURATELA. Dá-se curador ao portador de deficiência física, consistente em paralisia total do lado esquerdo do corpo, que o impede de locomover-se, a fim de que possa perceber o benefício previdenciário a que tem direito, devido a essa limitação (art. 1.780 do CC/2002). Apelação cível provida em parte. Unânime” (AC nº 70011048972, 8ª CCível, TJRS, Relª Drª Walda Maria Melo Pierro, j. 15/12/2005) .

Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação.

Des. Rui Portanova (REVISOR) - De acordo.

Des. Claudir Fidélis Faccenda - De acordo.

DES. LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS - Presidente - Apelação Cível nº 70018154153, Comarca de Panambi: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: JOCELAINE TEIXEIRA