ACRÍTICA: PGJ fala sobre os riscos da aprovação da PEC-37
Para Francisco Cruz a proposta é um duro golpe nas prerrogativas do Ministério Público
(Euzivaldo Queiroz)
Para o procurador-geral de Justiça do Estado do Amazonas, Francisco Cruz, “a PEC 37 interessa muito mais àquelas pessoas que foram atingidas pelo Ministério Público nas investigações, como o segmento da política”
Apelidada de “PEC da impunidade”, a Proposta de Emenda Constitucional nº 37/2011, está colocando em rota de colisão os chefes do Ministério Público e delegados em todo o Brasil.
Proposta pelo deputado federal Lourival Mendes (PTdoB/MA), a PEC 37 quer que apenas as polícias tenham o poder de realizar investigações. Para procuradores e promotores, a medida vai ser um duro golpe não apenas no Ministério Público, mas também na sociedade.
Na entrevista a seguir, o procurador-geral de Justiça do Amazonas, Francisco Cruz, admite a ação ainda acanhada do Ministério Público Estadual. Principalmente com relação a investigar pessoas definidas por ele mesmo como “de maior visibilidade”. No entanto, alerta: “O Estado brasileiro não está ganhando a luta contra o crime organizado, pelo contrario. Então, não podemos abrir mão do trabalho de investigação do Ministério Público”.
O que significa para o MP a aprovação da PEC 37?
Ela é uma proposta inicialmente dos delegados de polícia que viam no poder do Ministério Público de investigar uma diminuição das tarefas deles. Só que a coisa foi criando corpo, e hoje a PEC 37 interessa muito mais àquelas pessoas que foram atingidas pelo Ministério Público nas investigações, como o segmento da classe política. Ela é uma mutilação. Um duro golpe nas prerrogativas do Ministério Público.
Por quê?
Ao dar exclusividade de investigação para a polícia, a PEC vai proibir que o Ministério Público faça investigação. Será um grande prêmio para os crimes de colarinho branco, crime organizado. Enfim, aqueles crimes que hoje a polícia não investiga por uma série de motivos. Não porque não quer investigar, mas porque tem limitações, que nesses casos específicos o Ministério Público teria um pouco mais de condição.
O Ministério Público invade a área de atuação da polícia?
O Ministério Público não quer substituir a polícia. Nós queremos contribuir com a polícia. No Mensalão, por exemplo, foi cristalina a participação do Ministério Público Federal, em parceria com a Polícia Federal. Se chegou onde a polícia sozinha não chegaria: exatamente nos gabinetes do poder. Não queremos tirar o poder da polícia. Nós queremos também contribuir.
No Amazonas, que tipo de investigação, por exemplo, o Ministério Público teriam mais condições de realizar do que a polícia?
Os crimes de sonegação fiscal. Não temos registro de inquéritos policiais de sonegação fiscal. Não temos registros de inquéritos policiais de fraude em concurso público. Não temos notícias de inquérito policial de fraude em licitações. Ou seja, esses crimes de autoria coletiva, o Ministério Público teria um pouco mais de condições de investigar.
O Ministério Público tem mais independência que a polícia para investigar?
Sim. Porque o promotor de Justiça não guarda nenhuma relação de subordinação com o procurador-geral nem com qualquer que seja. Ele tem independência funcional. E ele é inamovível. Você não tem o poder de chegar e tirar ele de um local e colocá-lo em outro por conveniência. Então, nesse sentido, os promotores têm muito mais condição, ou pelo menos menor possibilidade de estar sujeitos a essas injunções externas.
Mas a nomeação do procurador-geral de Justiça pelo governador não enfraquece essa independência?
Isso é uma previsão constitucional. A classe escolhe três nomes e o governador escolhe um deles. Mas há um dado aí. O governador tem o poder de escolher, mas não tem o poder de exonerar. Diferentemente de um secretário de estado.
O senhor se sente subordinado ao governador Omar Aziz?
Não. A nossa relação é de absoluto respeito recíproco. Temos absoluta autonomia para trabalhar. Nunca sofri nenhuma injunção externa que pudesse comprometer a independência do procurador geral. Dos promotores nem se fala.
O senhor se sente à vontade para determinar investigação contra o Governo do Estado?
Absoluta independência. Você ver, por exemplo, que o Ministério Público investigou a Defensoria Pública, naquelas denúncias de fraude no concurso público. São inúmeras as denúncias que oferecemos contra prefeitos municipais. Inclusive de prefeitos partidariamente ligados à base de sustentação do governador. Mas nunca tivemos um desconforto.
Mas por que essas investigações não atingem membros do primeiro-escalão do governo?
Digo a você que toda semana fazemos notificações às autoridades a respeito de denúncias. Confesso-lhe, nós estamos ainda em débito. Precisamos avançar mais, inclusive para essas pessoas de maior visibilidade, de maior proteção funcional, social e financeira. Reconhecemos que temos um débito histórico.
Esse acanhamento das investigações sobre pessoas de maior visibilidade se dá porque o órgão usa dois pesos e duas medidas?
A gente investiga todos. Chegou a denúncia, se investiga. Mas não temos a estrutura ideal ainda para se chegar a bom termo, a uma investigação mais profunda.
Com o procurador sendo nomeado pelo governador, e dependendo de repasse de recursos do Governo do Estado, o senhor acredita que o Ministério Público algum dia terá condições de se estruturar melhor?
Olha, os recursos do Ministério Público hoje não são insignificantes. É um valor significativo. O que está acontecendo com o Ministério Público do Amazonas é que cresceu muito a atividade meio, e a capacidade de investimento está muito reduzida. Estamos trabalhando para otimizar os investimentos.
Que impressões se tem hoje do posicionamento dos deputados federais com relação à PEC 37?
A gente percebe certa reserva dos parlamentares. Tipo, ‘ah, mais esses caras (promotores) já têm muito poder. É perigoso’. A classe política foi muito atingida pelas ações do Ministério Público. Eles estão tentando nos punir.
Se a PEC 37 for votada hoje na Câmara dos Deputados, seria aprovada?
Tranquilamente. Para se ter uma ideia, ela foi aprovada numa comissão especial, nós tivemos apenas dois votos a favor. Não tenho dúvida que se for votada hoje é aprovada. O Ministério Público perde, e leia aí sociedade. Isso é grave. O Ministério Público perde o poder de investigar. E amanhã? Que outras garantias serão tiradas do órgão?
Essa simpatia dos políticos pela PEC 37 significa então uma retaliação?
Sem dúvida nenhuma. Não tenho medo de afirmar que a iniciativa é uma resposta daqueles que foram atingidos. Aqueles de visibilidade. Porque as pessoas simples são atingidas pelo Direito Penal mesmo. Os presídios estão cheios dos desvalidos. O Ministério Público está sendo agora alvo daqueles que incomodou. Imagine uma pessoa como o José Dirceu, praticamente um primeiro-ministro, sendo condenado. O ex-senador Demóstenes torres, membro do Ministério Público de Goiás, foi atingido pelo Ministério Público.
Como a bancada do Amazonas em Brasília se posiciona dentro dessa discussão da PEC 37?
Ainda não tenho o posicionamento dos nossos oito deputados e dos três senadores. Vamos procurá-los na tentativa de convencê-los.
Esse argumento dos delegados não parece pequeno?
É corporativista. É pequeno. Não se sustenta. E eles dizem que se nós temos a exclusividade da ação penal, porque não podem ter a exclusividade da investigação? Daí o nosso ponto de
divergência. A gente acha que nunca apequenamos o trabalho dos delegados.
O delegado-geral da Polícia Civil no Amazonas, Josué Rocha defende a PEC 37...
Tenho o maior respeito por ele. Mas me permito discordar dele. Li no jornal ele fazendo uma pergunta sobre que estrutura o Ministério Público tem para investigar melhor que a polícia. Mas não estou falando de estrutura a mais ou a menos. Estou falando de parceria.
O que diz a Ordem dos Advogados do Amazonas?
Outro dia li uma entrevista do presidente (Alberto Simonetti Neto). Ele é a favor da PEC. Mas nacionalmente a OAB ainda não se posicionou. Algumas seccionais estão a favor do Ministério Público. O presidente da seccional daqui defende a PEC por entender que quem produz prova não pode processar. Eu o respeito, mas me permito discordar. O Ministério Público não está produzindo prova para si. Faz a coleta de indícios e leva ao Judiciário. O Judiciário é que vai valorar a solidez desses indícios.
Nota Técnica contra a PEC 37
Nota Técnica Nº 1 de 2013 – CNMP
O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), no exercício das competências previstas no art. 130-A, § 2o, II, da Constituição da República e no art . 5º, V, do seu Regimento Interno, elabora a presente nota técnica com o fim de reafirmar entendimento contrário aos termos da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37, de 2011, e de oferecer, respeitosamente, subsídios e contribuições aos debates sobre o tema pelos Excelentíssimos Senhores Deputados Federais e Senadores da República.
Inicialmente, é necessário assentar que a resistência que vem sendo oferecida pelo Ministério Público brasileiro à aprovação da PEC 37 origina-se da profunda preocupação de todos os membros da instituição e de muitos setores da sociedade, com o estabelecimento do monopólio investigativo no Brasil, situação que, uma vez implantada, significará um evidente retrocesso no regime democrático, republicano e de combate ao crime organizado, tendo a sociedade brasileira como a maior prejudicada.
A realidade vem demonstrando que as iniciativas de melhor resultado no plano investigativo originaram-se de uma atuação integrada, articulada e harmônica entre as diversas instituições que receberam do sistema jurídico brasileiro atribuições de natureza investigativa, dentre estas, além da polícia judiciária e do Ministério Público, estão a Receita Federal do Brasil, o Banco Central, os Tribunais de Contas, as Comissões Parlamentares de Inquérito e outras.
Esta integração parte do pressuposto da corresponsabilidade dos agentes e impulsiona-os ao comprometimento com os bons resultados de sua atuação.
O trabalho em regime de exclusividade, ao contrário, conduz à desarticulação de ações que são, por natureza, interdependentes, complementares, voltadas à adequada persecução penal e ao esclarecimento da verdade. Esta desarticulação está entre as maiores causas, historicamente, dos altos índices de impunidade que afetam o sistema penal e a segurança pública. Este fato tem sido determinante, inclusive, do estabelecimento de diversas estratégias nacionais, originadas de Pactos de Estado firmados entre todos os agentes envolvidos, e cujos resultados já são concretos, mensuráveis e altamente positivos.
Sem embargo da atuação integrada que deve haver entre os órgãos, há algumas situações em que não se poderá afastar a investigação originária pelo Ministério Público, sob pena de restar inviabilizada ou extremamente dificultada a própria persecução penal.
Como órgão constitucionalmente habilitado para a propositura da ação penal, a cujos membros, em defesa da própria sociedade, o constituinte originário atribuiu independência funcional, inamovibilidade e vitaliciedade, o Ministério Público não deverá ter ceifado do poder de buscar a verdade, através de procedimentos investigatórios.
Não desconhece este Conselho Nacional do Ministério Público que a autoridade policial, também por atribuição do constituinte originário, deva presidir o inquérito. Também não se defende, ao contrário do que possa ter sido propalado para justificar posições favoráveis à PEC, que o Ministério Público queira dispor de poderes absolutos em sua atuação investigativa. Ou que, com base na independência funcional dos membros, seus atos não possam ser questionados, revisados ou invalidados, inclusive mediante os meios internos e externos de controle, nas hipóteses de ilegalidade ou abuso de poder. Defende-se, com toda a veemência, a imprescindibilidade de se assegurar os direitos e garantias fundamentais dos investigados.
Partindo desses pressupostos, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem reconhecido a legitimidade dos poderes investigatórios do Ministério Público, na ausência dos quais a instituição ficaria sempre à mercê da polícia, criando-se uma relação de dependência que definitivamente não encontra amparo na Constituição da República. Estando o Ministério Público na condição de dominus litis, necessário que se lhe reconheça a possibilidade do uso dos meios necessários à propositura da ação penal. Em suma, cominando-lhe os fins, não poderia a Constituição subtrair-lhe os meios.
A propósito, mencionem-se como representativas da posição da Suprema Corte em favor dos poderes investigatórios do Ministério Público, as decisões proferidas no RE 535.478/SC (2008), no HC 93.224/SP (2008), no HC 89.837/DF (2009), no HC 103.877/RS (2010), no HC 97.969/RS (2011), HC 84.965 (2011), entre outros julgados.
Colhe-se da ementa desse último julgado, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, que:
“A celeuma sobre a exclusividade do poder de investigação da polícia judiciária perpassa a dispensabilidade do inquérito policial para ajuizamento da ação penal e o poder de produzir provas conferido às partes. Não se confundem, ademais, eventuais diligências realizadas pelo Ministério Público em procedimento por ele instaurado com o inquérito policial. E esta atividade preparatória, consentânea com a responsabilidade do poder acusatório, não interfere na relação de equilíbrio entre acusação e defesa, na medida em que não está imune ao controle judicial – simultâneo ou posterior. O próprio Código de Processo Penal, em seu art. 4º, parágrafo único, dispõe que a apuração das infrações penais e da sua autoria não excluirá a competência de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função. À guisa de exemplo, são comumente citadas, dentre outras, a atuação das comissões parlamentares de inquérito (CF, art. 58, § 3º), as investigações realizadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF (Lei 9.613/98), pela Receita Federal, pelo Bacen, pela CVM, pelo TCU, pelo INSS e, por que não lembrar, mutatis mutandis, as sindicâncias e os processos administrativos no âmbito dos poderes do Estado.”
Assentou o relator, invocando inclusive precedentes anteriores da Corte, que não é o caso de se aceitar que o Ministério Público substitua a atividade policial incondicionalmente. Defendeu, como assentado pelo Min. Celso de Mello quando do julgamento do HC 89.837/DF, que tal atuação justifica-se em “situações de lesão ao patrimônio público, [...] excessos cometidos pelos próprios agentes e organismos policiais, como tortura, abuso de poder, violências arbitrárias, concussão ou corrupção, ou, ainda, nos casos em que se verificar uma intencional omissão da Polícia na apuração de determinados delitos ou se configurar o deliberado intuito da própria corporação policial de frustrar, em função da qualidade da vítima ou da condição do suspeito, a adequada apuração de determinadas infrações penais”
Como se vê, todo o esforço hermenêutico que tem sido realizado pelo STF acerca do tema da investigação pelo Ministério Público não tem como foco o próprio poder de investigar, que a Corte Constitucional considera implícito nas atribuições do dominus litis. Centra-se, isto sim, na definição dos respectivos contornos, já que a regra geral é a atuação da polícia judiciária, mediante instauração de inquérito, e porque a atuação eventual do MP, como condutor de uma investigação, reclama, como não poderia deixar de ser, a plena atenção às garantias fundamentais.
Reafirma este Conselho Nacional seu compromisso com a missão constitucional que lhe foi atribuída por esse Poder Constituinte derivado , de exercer, com independência, o controle externo da instituição e do mais estrito cumprimento das funções por seus membros, ao tempo em que pede vênia e invoca a sensibilidade desse Parlamento quanto à gravidade e às consequências para a sociedade brasileira, da eventual aprovação da proposta de emenda constitucional
Fonte: CNMP
Novo Ayrão: iniciativa do MP-AM regulariza situação de servidores
Participaram da reunião o procurador do município de Novo Airão e representantes do sindicato dos servidores.
Para o Promotor de Justiça João Gaspar Rodrigues, “a obtenção do TAC põe fim a agonia de vários servidores e também para toda a comunidade, já que os recursos geridos pela Prefeitura constituem, praticamente, a única fonte de receita do lugar. E foi essa repercussão social que atraiu a legitimidade e a intervenção do Ministério Público no episódio. Com o desfecho, pusemos fim a mais um procedimento interno sem a necessidade de recorrer ao Judiciário e ajudamos a cidade a recobrar tranquilidade e sossego”.