Entrevista com o Promotor de Justiça Mirtil Fernandes do Vale

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Confira nessa entrevista o relato do Promotor de Justiça Mirtil Fernandes do Vale sobre sua trajetória jurídica dentro Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM), desde os tempos que deixou de exercer a profissão de eletricista até a sua atual responsabilidade na 56ª Promotoria de Justiça Especializada na Proteção e Defesa dos Direitos Constitucionais do Cidadão, que apura com frequência denúncias de irregularidades nos serviços públicos da área da saúde e educação. Na conversa, o Promotor também fala sobre as dificuldades no exercício da função e onde a instituição ministerial deve investir em melhorias.

 

O que o levou a optar pelo Direito e ingressar na carreira do Ministério Público do Estado do Amazonas?

Mirtil Fernandes: Depois de quase vinte anos trabalhando como eletricista decidi inovar e mudar completamente a minha carreira, embora, estivesse bem satisfeito com a profissão de eletricista. Mas, eu percebi que poderia ser mais útil à sociedade trabalhando na área do Direito, então decidi optar por fazer o concurso do Ministério Público porque vi que era o caminho que eu deveria seguir para alcançar o objetivo que eu já havia traçado.

Fale mais sobre essa trajetória.

MF: Na época que eu ingressei no Ministério Público, a realidade era completamente diferente da atual. Logo que iniciei a cerreira de Promotor, assumi a Promotoria de Novo Aripuanã, isso dias antes da realização das eleições de 1992. Ao chegar no Município, eu tive uma desagradável experiência: pessoas, algumas insatisfeitas com o que estava ocorrendo no local, decidiram invadir o recinto onde estava sendo apurada a eleição, destruíram todas a cédulas, urnas, e incendiaram o Cartório do Município. Hoje, diferentemente daquela época, se promove um treinamento para os Promotores que estão ingressando no Ministério Público, até mesmo para que eles possam ter uma visão do que é ser um Promotor de Justiça e sobre os desafios a serem enfrentados na profissão. Quando eu comecei, você aprendia a ser Promotor de Justiça no dia a dia. Agora, existem ferramentas necessárias, os meios de comunicação que facilitam entrar em contato imediatamente com a Procuradoria, por exemplo. Naquela época, havia esse problema de comunicação.

Fale sobre o trabalho desenvolvido na 56ª Prodedic, a Promotoria de Justiça sob sua resposabilidade.

MF: O nosso trabalho na Promotoria, assim como todas as demais promotorias de Justiça Especializadas na Proteção e Defesa dos Direitos Constitucionais do Cidadão, é voltado às políticas públicas, principalmente, na área de saúde e educação. Diariamente, recebemos reclamações de pessoas reivindicando melhor atendimento nas áreas de saúde; outros, reclamam da qualidade da merenda escolar das escolas. A partir dessas reclamações, visitamos estas instituições para verificar ''in loco'' se de fato o que está sendo denunciado procede, e, na maioria das vezes procede; tem se visto que o Estado não tem a preocupação de promover esses serviços com qualidade. A nossa maior preocupação atual é com a prestação de serviço de saúde.

Os casos mais frequentes na 56ª Promotoria envolvem os serviços públicos de saúde e educação. Em média, quantos pedidos de investigação chegam mensalmente?

MF: Sim, os casos de saúde e educação são bem frequentes. Eventualmente, existem questões relacionadas à concurso público. Sobre a quantidade de processos que chega na 56ª Prodedic, há uma média de 30 a 40 reclamações. No momento, estamos recebendo com muita frequência denúncias formuladas na Ouvidoria dos Direitos Humanos, que podem ser feitas através do Disk 100, e que tem chegado ao MP-AM, causando uma demanda de atenção elevadíssima do órgão. A maioria são casos de pessoas idosas que são agredidas, abusadas e negligenciadas, inclusive, financeiramente.

Quais as principais dificuldades na execução do trabalho da 56ª Promotoria?

MF: Partindo do princípio de que é uma Promotoria que defende os Direitos Constitucionais do Cidadão, tudo o que se pode imaginar é da área da Cidadania, desde a prestação de um serviço de saúde até a necessidade de se obter um medicamento de uma pessoa. Embora essas promotorias trabalhem com o Direito Difuso Coletivo, excepcionalmente se atende algumas postulações de natureza individual, se esse pedido estiver relacionado com às questões de natureza e da vida, pode caracterizar uma ação do Ministério Público. Então, essas promotorias que defendem o Direito do Cidadão são promotorias demandadas diariamente. Temos dificuldades nos recursos humanos, que são insuficientes para atender toda a demanda. Hoje, cada vez mais as pessoas têm buscado o Ministério Público para efetivar seus direitos. Mas com essa carência de pessoal, todas essas promotorias estão sobrecarregadas.

Na atividade exercida por um Promotor de Justiça, são encontradas dificuldades como a atuação no Interior do Estado. Como essas dificuldades poderiam ser resolvidas?

MF: Na Capital, as dificuldades que se têm para exercer a função de Promotor de Justiça são bem menores do que as encontradas no Interior do Estado, principalmente se considerarmos que existem municípios longínquos. Mas hoje o Promotor de Justiça que ingressa no MP já recebe todo um ferramental necessário a permitir uma atuação da razoabilidade esperada. Na Capital se tem melhores condições de trabalho, mas, tanto quanto no Interior, todas as reivindicações passam por recursos humanos. Há a necessidade de equipar melhor as promotorias com recursos humanos e com equipamentos. Deveríamos ter aqui no MP uma equipe composta por psicólogo, médico e peritos, para atender as postulações das promotorias de Justiça. Com a ausência desses profissionais, ficamos na dependência de órgãos externos para certas situações. Por exemplo, durante uma inspeção ministerial em um hospital, é preciso que um médico nos acompanhe. Nesse caso, ficamos dependendo do Conselho Regional de Medicina (CRM). O ideal seria que tenhamos aqui no MP - e eu creio que em um futuro não muito longínquo - uma equipe multiprofissional para atender as demandas das promotorias. Outro fator é que ainda existe um número de promotores não muito expressivo e o Estado cresce diariamente.

Na sua opinião, o Ministério Público conseguiu evoluir nesses últimos anos? Se sim, em quais aspectos?

MF: Sem dúvida alguma. E eu sou testemunha disso. Quando ingressei no MP, podemos dizer que éramos uma única célula. Hoje somos um organismo, o órgão cresceu muito, e houve nessa evolução uma melhoria substancial, a contar da sede onde hoje estamos instalados. Recordo muito bem quando o MP ficava instalado na rua 24 de Maio, em um prédio muito reduzido. Lógico que na época o número de promotores e recursos humanos era bem menor, mas já se percebia a necessidade de expansão da sede e dos órgão de atuação do Ministério Público. Ainda precisamos melhorar em questões relacionadas a recursos humanos, treinamentos para os servidores, buscar materiais mais eficazes para permitir uma melhor prestação dos serviços das Promotorias de Justiça. O nosso objetivo é melhorar cada vez mais para executar um melhor serviço para sociedade.

Como verifica o cenário Ministério Público brasileiro atualmente?

MF: Existem MPs que se destacam no Brasil. Aqui na região Norte o Ministério Público tem ocupado as melhores posições e o que eu vejo hoje é, cada vez mais, o entrosamento dos Ministérios Públicos que antes eram isolados. Hoje estamos trabalhando em parceria e em busca de melhores resultados. Hoje você tem uma nova fisionomia de Ministério Público, não só um Ministério Público acusador, mas você tem um Ministério Público multifacetado, defendendo todos os interesses da sociedade.

A que se atribui a credibilidade do Ministério Público amazonense?

MF: A credibilidade do Ministério Público veio com promulgação da Constituição Federal, onde foi dada uma nova fisionomia ao Ministério Público enquanto defensor dos direitos da pessoa. No início, o Ministério Público defendia todos os interesses. Hoje, o MP está com um encargo de defender os interesses individuais homogêneos, coletivos e difusos. Com essa difusão de defesa do Direito, as pessoas percebem que o Ministério Público é um órgão enérgico e atuante. Isso tem levado o Ministério Público a ganhar esta credibilidade. Os meios de acesso ao MP-AM e o contato com o Promotor de Justiça também leva o órgão a conquistar essa credibilidade, embora existam setores que queiram tirar do Ministério Público algumas tarefas e atribuições. Mas o que não se pode perder de vista é que essa prestação de serviço é toda voltada para a sociedade e o Ministério Público é o defensor desta sociedade. E é necessário que o MP tenha esse poder. Não se pode ter uma atuação restrita. O Ministério Público tem que ter uma atuação plena. Eu, como Promotor de Justiça, me sinto na obrigação de cumprir com o dever que assumi perante a sociedade.