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CARTA ROGATÓRIA Nº 4.037 – CH (2009/0084429-6)

Em decisão monocrática o superior tribunal de justiça concede exequatur à carta rogatoria com fundamento na convenção das nações unidas contra o crime organizado transnacional

Qui, Set 17, 2009

CARTA ROGATÓRIA Nº 4.037 – CH (2009/0084429-6)
JUSROGANTE : JUÍZO DE INSTRUÇÃO DO CANTÃO DE SCHWYZ
INTERES. : MIKE NIGGLI
PUBLICAÇÃO 04/08/2009

DECISÃO
O Juízo de Instrução do Cantão de Schwyz, Confederação Helvética, solicita, mediante esta carta rogatória, o sequestro de bens móveis e dos imóveis indicados à fl. 10 da comissão, bem como o bloqueio de valores porventura existentes em contas bancárias da titularidade do interessado ou de terceiros e ele ligados.
Narra que, por meio de transações financeiras, Mike Niggli teria lesado seiscentos cidadãos suíços e causado prejuízo de 78 milhões de dólares, o que ensejou a instauração de inquérito pela apontada prática dos crimes de “fraude, estelionato, execução fraudulenta de negócios, falsificação de documentos e lavagem de dinheiro, nos termos dos artigos 138, 146, 158, 251, e 305-bis do Código de Processo Penal da Suíça”. Adiciona que o interessado “foi considerado culpado de fraude comercial contra 18 vítimas” e condenado a “30 meses de pena privativa de liberdade, dos quais já cumpriu 14 meses” (fl. 11).
Junta aos autos cópia do pedido de extradição formulado às autoridades brasileiras e farta documentação comprobatória.
O Ministério Público Federal opinou pela concessão da ordem (fls.2-3), fundando-se na Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional – Convenção de Palermo, Decreto n.5.015/2004, bem como no art. 8º da Lei de Lavagem de Dinheiro – Lei
n. 9.613/98.
A leitura do pedido deixa entrever que esta rogatória é repetição de “pedido de cooperação judiciária em matéria penal”, anteriormente remetido às autoridades brasileiras e ajuizado diretamente pelo Ministério Público Federal perante a 5ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro (processo n. 2005.5101501095-4), autos nos quais foi determinado o sequestro do bens do interessado.
Em razão da referida determinação, foram ajuizadas as Reclamações n. 2.806 e 2.838, por alegada usurpação da competência desta Corte para autorizar medidas solicitadas por autoridade estrangeira, ante a ausência da concessão de exequatur.
À vista da natureza das diligências, aplico ao caso o disposto no art. 8º, parágrafo único, da Resolução n. 9/STJ (nesse sentido, confira-se HC n. 90.485/STF, Relator Ministro César Peluso, DJU de 8/6/2007).
Passo a decidir.
Inicialmente, não se observa óbice legal para o deferimento da medida de sequestro, quer em razão da natureza dos delitos investigados, quer fundando-se nos atos multilaterais firmados pelo Brasil, a seguir mencionados.
A “Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional” – Decreto n. 5.015, de 12.3.2004 – estabelece, em seu
art. 18:
“1. Os Estados Partes prestarão toda a assistência judiciária possível nas investigações, nos processos e em outros atos judiciais relativos às infrações previstas pela presente Convenção, nos termos do Artigo 3, e prestarão reciprocamente uma assistência similar quando o Estado Parte requerente tiver motivos razoáveis para suspeitar de que a infração a que se referem as alíneas a) ou b) do parágrafo 1 do Artigo 3 é de caráter transnacional, inclusive quando as vítimas, as testemunhas, o produto, os instrumentos ou os elementos de prova destas infrações se encontrem no Estado Parte requerido e nelas esteja implicado um grupo criminoso organizado.
[...]
3. A cooperação judiciária prestada em aplicação do presente Artigo pode ser solicitada para os seguintes efeitos:
a) Recolher testemunhos ou depoimentos;
b) Notificar atos judiciais;
c) Efetuar buscas, apreensões e embargos;
d) Examinar objetos e locais;
e) Fornecer informações, elementos de prova e pareceres de peritos;
f) Fornecer originais ou cópias certificadas de documentos e processos pertinentes, incluindo documentos administrativos, bancários, financeiros ou comerciais e documentos de empresas;
g) Identificar ou localizar os produtos do crime, bens, instrumentos ou outros elementos para fins probatórios;
h) Facilitar o comparecimento voluntário de pessoas no Estado Parte
requerente;
i) Prestar qualquer outro tipo de assistência compatível com o direito interno do Estado Parte requerido”.

Não há falar, ademais, em ofensa à soberania nacional ou à ordem pública, porquanto na ordem jurídica interna, segundo a redação dos arts. 125 e 126 do Código de Processo Penal, “caberá o sequestro de bens imóveis, adquiridos pelo indiciado com os proventos da infração, ainda que já tenham sido transferidos a terceiro” e “para a decretação do seqüestro, bastará a existência de indícios veementes da proveniência ilícita dos bens”. É o que ocorre nestes autos, pois o pedido rogatório está devidamente motivado, descreve os fatos ilícitos investigados e a conduta do interessado, a evidenciar indícios suficientes quanto ao cometimento de infrações penais. Deve-se ressaltar, ainda, que o interessado, a despeito de cumprir prisão domiciliar determinada nos autos da Extração n. 960/STF, empreendeu fuga e encontra-se atualmente detido na Argentina.
Por fim, nos termos do art. 7º, da Resolução n. 9 desta Corte e da jurisprudência desta Corte, é possível a concessão de exequatur para a realização de medidas executórias. Confira-se:
“CARTA ROGATÓRIA. DILIGÊNCIAS. BUSCA E APREENSÃO. QUEBRA DE SIGILO
BANCÁRIO. POSSIBILIDADE. CONCESSÃO DO EXEQÜATUR.
1. Carta Rogatória encaminhada pelo Ministério das Relações Exteriores a pedido da Embaixada da Bélgica, com o fim de verificar possível crime de lavagem de dinheiro envolvendo empresário brasileiro descrito nestes autos, por solicitação do juízo de instrução, do Tribunal de Primeira Instância de Bruxelas, Bélgica.
2. É cediço que: A tramitação da Carta Rogatória pela via diplomática confere autenticidade aos documentos.
3. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal pautava-se no sentido da impossibilidade de concessão de exequatur para atos executórios e de constrição não-homologados por sentença estrangeira.
4. Com a Emenda Constitucional 45/2004, esta Corte passou a ser competente para a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exeqüatur às cartas rogatórias.
5. A Resolução 9/STJ, em 4 de maio de 2005, dispõe, em seu artigo 7°, que “as cartas rogatórias podem ter por objeto atos decisórios ou não decisórios”.
6. A Lei 9.613/98 (Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro), em seu art. 8° e parágrafo 1°, assinala a necessidade de ampla cooperação com as autoridades estrangeiras, expressamente permite a apreensão ou seqüestro de bens, direitos ou valores oriundos de crimes antecedentes de lavagem de dinheiro, cometidos no estrangeiro.
7. Destarte, a Lei Complementar 105/2001, por sua vez, em seu art. 1°, parágrafo 4°, dispõe que as instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados, sendo que a quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, e especialmente nos seguintes crimes: (…) VIII – lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores; IX – praticado por organização criminosa.
8. Deveras, a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Decreto 5.015/2004) também inclui a cooperação judiciária para ‘efetuar buscas, apreensões e embargos’, ‘fornecer informações, elementos de prova e pareceres de peritos’, ‘fornecer originais ou cópias certificadas de documentos e processos pertinentes, incluindo documentos administrativos, bancários, financeiros ou comerciais e documentos de empresas’, ‘identificar ou localizar os produtos do crime, bens, instrumentos ou outros elementos para fins probatórios’, ‘prestar qualquer outro tipo de assistência compatível com o direito interno do Estado Parte requerido’ (art. 18, parágrafo 3, letras a até i). Parágrafo 8 do art. 18 da Convenção ressalta que: ‘Os Estados Partes não poderão invocar o sigilo bancário para recusar a cooperação judiciária prevista no presente Artigo’. 9. In casu, A célula de tratamento das informações financeiras (CETIF) denunciou no dia 16 de Julho 2002 ao Escritório do Procurador Geral em Bruxelas a existência de índices sérios de branqueamento de capitais (…) entre as pessoas envolvidas no presente processo.
10. Princípio da efetividade do Poder Jurisdicional no novo cenário de cooperação internacional no combate ao crime organizado transnacional.
11. Concessão integral do exequatur à carta rogatória” (CR 438/BE, Relator Ministro Luiz Fux, Corte Especial, DJ de 24/09/2007).
Ante o exposto, satisfeitos os pressupostos necessários, concedo o exequatur (art. 2º, Resolução n. 9/2005 deste Tribunal).
Em razão da conexão dos pedidos, determino o apensamento a estes autos das Reclamações n. 2.806 e 2.838, as quais julgo prejudicadas pela concessão do exequatur.
Remetam-se, com urgência, os autos à 5ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro para as providências cabíveis (art. 13 da mencionada Resolução).

Publique-se.
Brasília, 24 de junho de 2009.
MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA
Presidente