Entrevista com a Promotora de Justiça Christiane Dolzany
A Promotora de Justiça Christiane Dolzany Araújo, titular da Comarca do município de São Gabriel da Cachoeira, escolheu cursar Direito desde os 16 anos e na faculdade estava decidida que queria ser Promotora de Justiça. Confira abaixo a entrevista com a Promotora.
AIDC: Como surgiu o interesse em atuar na carreira jurídica?
Quando estamos na fase da adolescência já somos instados a escolher um curso superior que, muitas vezes, mudará nossas vidas por completo. Escolhi cursar Direito aos 16 anos, quando comecei a preparar-me para o vestibular. Fiz a Faculdade e a Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal no Ciesa e não escondo que minha maior paixão é por estes ramos do Direito. No Ciesa fiz um excelente curso, meu coeficiente geral final foi de 9,6 e atribuo isso à vocação pelo Direito e aos competentes professores que tive como Clara Lindoso, Cláudio Roessing, Elvys de Paula Freitas, Otávio Gomes, Fabíola Monteconrado, Bráulio Guidalevich, Carlos Alberto, Afrânio de Sá Valente e Lélio Lauria. Nos dois últimos anos do Curso fiz dois Júris simulados sob a orientação do Professor e Procurador de Justiça João Bosco de Sá Valente, por quem tenho admiração. Após os júris eu estava extasiada e feliz. Tive a certeza, desde a Faculdade, que queria seguir a carreira de Promotora de Justiça. Cheguei a ir ao Plenário do Júri no Fórum Ministro Henoch Reis e dizer que um dia eu estaria lá como Promotora de Justiça e quando retornei durante o estágio de adaptação a emoção foi muito grande.
AIDC: Conte um pouco sobre sua trajetória jurídica e seu ingresso no MP-AM.
Quando era universitária, fiz estágio na SEFAZ, no setor de contratos, e lá tive uma boa experiência em contratos públicos. Depois trabalhei num banco, onde tive oportunidade de conhecer na prática o direito bancário. Depois disso, estagiei na Defensoria Pública do Estado e no Ministério Público do Trabalho. Ainda na Faculdade, passei no concurso da Polícia Civil e trabalhei na Delegacia do Consumidor, onde tive impagável experiência nesta área. Cheguei a passar em dois concursos, para o cargo de Delegado de Polícia em Roraima e no Tribunal Regional do Trabalho, mas não tomei posse. Trabalhei como advogada, fui professora na UEA e na FAMETRO, no curso de Direito. Antes de tomar posse no Ministério Público, estava atuando como Coordenadora da Comissão de Defesa do Consumidor na Assembléia Legislativa do Estado e lá tive grandes oportunidades de coordenar ações efetivas na defesa do consumidor, como fiscalizações conjuntas com o Procon, a Vigilância Sanitária e o IPEAM. Realizávamos audiências públicas, mutirões de atendimento, além do atendimento diário de orientação jurídica e de audiências conciliatórias. Fazíamos também pesquisa de preços e fiscalizações mensais em supermercados, açougues, postos de gasolina, farmácias, lojas e bancos.
AIDC: Como a Senhora define exercer a profissão de Promotora de Justiça?
É um verdadeiro ministério e recompensa do nosso trabalho é deixar um legado também para as futuras gerações, principalmente nas cidades do interior do nosso Estado, onde a presença do Promotor de Justiça é essencial para garantir os direitos dos cidadãos e os interesses da sociedade. Nesta jornada de quase dois anos, tive oportunidade de me emocionar, de me realizar, de me firmar e de me posicionar diante das situações não só ilegais, mas que me indignaram. Devemos ser técnicos e juristas, mas acho que não devemos nunca nos acostumar com as situações tidas como imutáveis. Acho que ser Promotor de Justiça é olhar além do seu tempo e ter gosto pelos desafios, ainda mais em comunidades tão carentes, e não esmorecer jamais. Agradeço muito a Deus por estar nesta carreira que escolhi com o coração. Nunca tive ambição por outras carreiras, como a magistratura, por exemplo. A inquietude, o questionamento e a vontade de modificar paradigmas sempre me acompanharam. Acredito que podemos conseguir ótimos resultados na nossa atuação, com firmeza, técnica, mas com gentileza e elegância para desmoronar as resistências e fazer nascerem flores em meio às rochas.
AIDC: É difícil ser Promotora de Justiça no Interior do Estado?
A esse respeito posso falar da minha experiência na Promotoria de Justiça de São Gabriel da Cachoeira. É uma comarca que dista 852 quilômetros da Capital, com uma população de aproximadamente 38 mil habitantes e com uma área de 109.185 quilômetros quadrados, considerado um dos maiores Municípios do País. A população é predominantemente indígena e o Município situa-se em área classificada como de segurança nacional em fronteira com a Venezuela e Colômbia. A primeira sensação que tive foi a de um grande desafio a ser vencido. Ainda estamos viabilizando o uso da internet na Promotoria, não tem quem faça os trabalhos externos, como a simples entrega de uma notificação e a Prefeitura não cedeu servidores à Promotoria de Justiça. Temos que cuidar das questões administrativas, da logística, das condições do prédio e ter muita disposição para as atividades da carreira. Isto não é nada fácil. Além dos custos de deslocamento, falta de passagens aéreas e da distância da família. Hoje, o trabalho da Promotoria está todo em dia, não há processos pendentes e todos os processos administrativos estão em ordem também. Os arquivos estão todos saneados e considero que a Promotoria é eficiente, é um Órgão respeitado na Comarca e me sinto orgulhosa do trabalho que está sendo feito em São Gabriel da Cachoeira. No interior, o Promotor de Justiça tem que estar próximo às questões sociais e isto dá mais trabalho do que despachar em gabinete. Considero que, em muitos casos, não há nada que substitua a verificação in loco das situações. Por este motivo já fiz várias inspeções, como as inspeções mensais feitas na Delegacia, no lixão da Cidade, no CREAS, Centro de Atendimento do Idoso, nas Escolas e no depósito da merenda escolar, em estabelecimentos sub judice, além das audiências públicas, reuniões com diversas instituições e acompanhamento mensal da saúde e educação no Município. Todo este trabalho no interior não é fácil, requer muita disposição. No interior nós trabalhamos na semana e nos finais de semana, que é quando temos tempo de fazer melhores pesquisas, estudar e produzir peças que exigem maior concentração. Por isto, lembro-me bem dos desafios que o Dr. Fábio Monteiro nos alertou no dia da posse: Promotor de interior é “full time” (tempo integral em inglês). Mas, sinceramente, todas estas dificuldades diárias não são sentidas tanto quando se ama o que faz.
AIDC: Em que Comarcas do MP-AM a Senhora já atuou?
Em São Gabriel da Cachoeira e em Itacoatiara, onde passei aproximadamente três meses, acumulando duas Promotorias e o Juizado Especial Criminal. Não esqueço quando fiz a primeira viagem para São Gabriel da Cachoeira. Quando o avião já estava sobrevoando próximo à cidade, senti uma sensação de sonho realizado, uma mistura de alegria, ansiedade e nervosismo pelo que me esperava. Era uma sexta-feira e na terça-feira seguinte atuei em 04 Júris, que foram realizados na Câmara dos Vereadores. Foi a minha apresentação à cidade e, na verdade, foi a melhor forma de começar a carreira, no Júri! Em Itacoatiara havia muito trabalho, ainda mais porque eu estava acumulando as Promotorias. Fiz também dois Júris nestes três meses e agradeço muito ter passado aquele tempo lá pela grande experiência que adquiri nos processos em que atuei.
AIDC: Quais os casos mais frequentes que passam pela sua Promotoria ?
Na Promotoria de Justiça de São Gabriel da Cachoeira os processos criminais são a maioria. Os casos mais freqüentes são os de tráfico de drogas, homicídio, lesão corporal, crimes de trânsito, roubos, furtos e estupro. Na área da Infância e Juventude os casos mais comuns são os de furto e lesão corporal. Em virtude da ausência da Defensoria Pública no Município, a Promotoria de Justiça faz muito atendimento de investigação de paternidade e alimentos. São encaminhados também muitos casos pelo Conselho Tutelar em que é necessária uma medida de proteção. A atuação da Promotoria na área da Infância e Juventude é muito árdua devido aos inúmeros casos de pais envolvidos com álcool e drogas. Neste aspecto, já foi instalado no Município um CAPS e em março será inaugurada a Fazenda Esperança na Cidade. Além disso, o CREAS atende às solicitações do Ministério Público, judicialmente e extrajudicialmente, para acompanhamento de pais, crianças e adolescentes. Em vários casos, o acompanhamento psicossocial trouxe ótimos resultados para retorno da criança aos cuidados dos pais. No ano passado, a Promotoria de Justiça requereu judicialmente o lacre definitivo de cinco casas noturnas onde eram permitidas a entrada de adolescentes, o consumo de bebida alcoólica, e consequentemente, a exposição a diversas situações de risco. A justiça concedeu o pedido e hoje no local funciona uma churrascaria rodízio e um mercadinho. Antes, era uma área divulgada nos jornais de Manaus como uma mazela social.
AIDC: De que maneira a Comarca em que a Senhora atua é auxiliada pelo MP-AM?
Quando cheguei em São Gabriel da Cachoeira, reconheço que encontrei muito trabalho acumulado e a Promotoria de Justiça com sérias necessidades. Com a minha inquietude, utilizei meus recursos para pintar a casa, o muro e as grades da Promotoria de Justiça. Precisei colocar o prédio em condições de trabalhar e então solicitamos um computador novo, uma impressora multifuncional que atendesse às necessidades de cópias e digitalização de documentos e isto foi atendido. A maior dificuldade que enfrento é quanto à ausência de servidores no interior. Hoje a Promotoria de São Gabriel da Cachoeira só tem uma estagiária de nível médio, selecionada mediante provas de redação e digitação. Foram 22 inscritos no processo de seleção e fiquei muito feliz com o interesse dos jovens, até pela visita que fiz em todas as escolas no ano passado, aproximando o Órgão dos juventude e dos estudantes. Então, há um ano contratei uma assessora, a Mirlene Salgado, formada em Matemática, a qual me surpreendeu pela competência e iniciativa. Os custos da contratação suportados por mim. Já solicitei servidores da Prefeitura, mas não houve disponibilidade. A este respeito, entendo que a solicitação de cessão de servidores das Prefeituras por intermédio de convênio deveria ser feita diretamente pela Procuradoria-Geral de Justiça, principalmente em Comarcas em que os atuais gestores são ou foram alvo de ações dos Promotores de Justiça do Interior, como é o caso de São Gabriel da Cachoeira. O melhor é prover as Promotorias do Interior com servidores concursados do próprio Órgão e isto já está sendo estudado.
AIDC: A senhora acredita que o Ministério Público cumpre o seu papel?
Sim. Eu não faria parte de uma instituição que consideraria frustrada nos seus fins. Nosso Ministério Público tem excelentes seres humanos atuando na Chefia, como Procuradores de Justiça e como Promotores de Justiça na Capital e no Interior. Nossa instituição é essencial ao funcionamento da justiça e, principalmente no interior do Estado, o Ministério Público, por meio dos aguerridos Promotores de Justiça, fiscaliza a lei e tutela a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses e sociais e individuais indisponíveis. Assim, considero que o Ministério Público do Estado do Amazonas trabalha com muitas peculiaridades diante de nossas condições regionais, onde o acesso a algumas Comarcas é feito por vários dias através dos rios. Mas, as ações da instituição tem sido efetivas, seguras e amadurecidas, alcançado ótimos resultados e por isso recebemos o reconhecimento de vários órgãos e o reconhecimento mais valioso, que é o da população carente e isolada do interior.
AIDC: Como avalia a atual Administração do MP-AM?
Quando iniciei minha carreira, compartilhava com os colegas conversas sobre o tempo em que passaríamos no interior e isso me angustiava porque, como mãe, anseio em acompanhar o meu filho e proporcionar a ele iguais condições de aprendizado para o futuro. Hoje posso externar um sentimento de que as expectativas para o futuro da instituição e dos membros são muito melhores do que na época em que iniciei a carreira. Podemos avaliar positivamente o empenho da atual administração no sentido do crescimento estruturado da Instituição, sem utopias ou projetos irrealizáveis.
AIDC: Qual a dica que a Senhora daria para quem quer seguir carreira no Ministério Público?Christiane Dolzany, Promotora de Justiça