Sistema Nacional de Proteção

Sistema Nacional de Proteção

O SISTEMA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA A VÍTIMAS E TESTEMUNHAS AMEAÇADAS

a) Antecedentes :

A proposta de implantação de serviços específicos para o atendimento de vítimas e testemunhas ameaçadas foi originalmente prevista no Programa Nacional de Direitos Humanos (1996), que estabeleceu, capítulo que trata da "Luta contra a impunidade", a meta de "apoiar a criação nos Estados de Programas de proteção á vítimas e testemunhas de crimes, expostas a grave e atual perigo em virtude de colaboração ou declarações prestadas em investigação ou processo penal".

Dois anos mais tarde, o Ministério da Justiça - Secretaria de Estado dos Direitos Humanos iria assinar com o Governo de Pernambuco convênio para apoiar a iniciativa inédita e pioneira que avançava naquele Estado sob a coordenação da Organização não-governamental Gabinete de Acessória Jurídica a Organizações Populares (GAJOP): o PROVITA, um programa de proteção a vítimas e testemunhas baseado na idéia da reinserção social de pessoas em situação de risco em novos espaços comunitários, de forma sigilosa e contando com a efetiva participação da sociedade civil na construção de uma rede solidária de proteção.

Os resultados já extremamente significativos que se apresentavam à época levaram a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos a adotar o PROVITA como modelo a ser difundido em outras Unidades da Federação. Já em 1998, mais dois Estados fecharam convênio para a implantação de programas locais: a Bahia e o Espírito Santo.

O marco de institucionalização desse processo ocorreu com a promulgação, em 13 de Junho de 1999, de Lei nº 99.807, que inovou ao estabelecer normas para a organização de programas estaduais destinados à vítimas e testemunhas de crimes "que estejam coagidas ou expostas a grave ameaça em razão de colaborarem com a investigação ou processo criminal", e instituiu, no âmbito da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas.

b) Sistema Nacional de Assistência a Vítimas e Testemunha

O Sistema Nacional de Assistência a Vítimas e Testemunhas é composto pelo Programa Federal de Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, regulamentado pelo Decreto nº 3.518/00 e gerenciado pela Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, e pelos programas de proteção.

Atualmente já são 12 (doze) os Estados que integram o Sistema: Acre, Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo. Esses programas, implementados por meio de convênio celebrando entre a respectiva Secretaria de Justiça e/ou Segurança Pública e a Secretaria dos Direitos Humanos, possuem capacidade média de atendimento de 45 (quarenta e cinco) beneficiários, entre testemunhas, vítimas e seus familiares ou dependentes. Até julho de 2001 o Sistema terá a capacidade de atendimento de 550 (quinhentos e cinqüenta) beneficiários sendo que, dessas vagas, 175 (cento e setenta e cinco) são exclusivas para o Programa Federal.

As situações de proteção registradas em Estados que ainda não se incorporaram Ao Sistema são atendidas temporariamente pelo Programa Federal.

Ao final de 2000, apenas um ano e meio após a promulgação da Lei nº 9.807/99, o Sistema Nacional já era responsável pela efetiva proteção de 246 (duzentos e quarenta e seis) pessoas em todo o território nacional sendo que, no total geral, 328 (trezentos e vinte e oito) foram beneficiadas pelo Programa ao longo do ano.

c) Estruturas dos Programas de Proteção

Os programas de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas têm a sua operacionalização e funcionamento realizados por meio de estruturas especialmente delineadas para tal fim, conforme prevê a Lei nº 9.807/99: Conselho Deliberativo, Órgão Executor e Equipe Técnica.

Cada Programa tem corno instância decisória superior um Conselho Deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do Ministério Público, do Poder Judiciário, de outros órgãos públicos e de entidades da sociedade civil com destacada atuação na área de direitos humanos ou segurança pública. Ao Conselho cumpre deliberar não somente sobre os casos de ingresso ou exclusão da rede de proteção, como acerca das demais providências de caráter geral relacionadas ao cumprimento do Programa.

Em seguida, tem-se o Órgão Executor, atribuição que recai sobre uma das instituições representadas no Conselho DeIiberativo. Será este o responsável em promover a articulação com as entidades da sociedade civil para a formação da rede solidária de proteção, bem como por contratar os profissionais que irão compor a Equipe Técnica.

O trabalho nas áreas jurídica, psicológica e social, necessário tanto para embasar as decisões do Conselho como para realizar o atendimento e monitoramento dos beneficiários do Programa é realizado por uma Equipe Técnica, liderada por um coordenador e composta de advogados, psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais, conforme a necessidade de cada Estado.

d) Modo de funcionamento

A Lei atribui legitimidade para apresentar solicitação de ingresso no Programa ao próprio interessado, ao Ministério Público, ao Delegado de Polícia, ao Juiz e aos demais órgãos públicos e privados com atribuições de defesa dos direitos humanos.

O pedido deve ser apresentado ao órgão executor, que o remeterá à avaliação do Conselho Deliberativo, instruído da manifestação do Ministério Público (art. 3º) e dos pareceres jurídico e psicossocial do caso. Enquanto se desenvolve esse procedimento de triagem, e dependendo da gravidade do caso, o órgão executor pode requerer aos órgãos de segurança pública (polícias Federal ou estaduais, conforme o caso) que sejam providenciadas medidas cautelares para garantir provisoriamente a segurança dos interessados.

Decidindo o Conselho pelo ingresso da vitima ou testemunha na rede solidária de proteção, a pessoa é retirada de seu local de origem e inserida, com a observância de normas de sigilo e confidencialidade, numa nova moradia, podendo antes passar por um local de pouso provisório, conforme as particularidades de cada situação.

Valendo-se das dimensões continentais do país, o Sistema possibilita a permuta de beneficiários entre as diversas redes de proteção, providenciado o deslocamento da pessoa ameaçada para um outro Estado, sendo que o sigilo do seu novo paradeiro é usado como expediente garantidor da sua segurança e integridade.

Todas os beneficiários dos programas permanecem à disposição da Justiça, das Comissões Parlamentares de Inquérito, da polícia e demais autoridades para que, sempre que solicitados, compareçam pessoalmente para prestar depoimentos nos procedimentos criminais em que figuram como vítimas ou testemunhas. Esses traslados e deslocamentos são sempre realizados sob escolta policial e, conforme as exigências de cada caso, são utilizadas técnicas para o despiste e disfarce da pessoa em situação de risco.

No âmbito do Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, a Lei nº 9.807/99 atribui À Secretaria de Estado dos Direitos Humanos o papel de órgão executor. Na prática, a execução do Programa Federal efetiva-se por meio de uma parceria da Secretaria, por meio da Gerência de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas - GAVTA, e o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares - GAJOP. À Gerência compete a recepção da solicitação de proteção e a adoção das medidas necessárias para a instrução do pedido à luz das exigências da Lei nº 9.807/99. As medidas de triagem, traslado e inserção dos beneficiários na rede solidária de proteção competem ao GAJOP. De modo geral, os procedimentos ocorrem em três momentos básicos:

a) Instrução Processual, Triagem e Traslado:

- recebimento das solicitações de proteção e instauração de processos administrativos para o seu acompanhamento;

- contato com as autoridades demandantes para verificar-se a situação atual de segurança da vitima ou testemunha, com vistas a avaliar a necessidade da adoção de medidas emergenciais de proteção pelos órgãos de segurança pública (Lei n0 9.807/99, art. 5º, § 3º): a) seja no âmbito do próprio Estado, que disponibilizará um local provisório de proteção ou destacará um efetivo policial para a proteção ostensiva na residência da pessoa ameaçada; b) seja por meio do Departamento de Polícia Federal, que dispõe de locais de proteção provisória.
- a Gerência providenciará a instrução do caso formalizando solicitação de parecer do Ministério Público, que deverá manifestar-se, notadamente, sobre a importância da proteção para a produção de prova testemunhal e a gravidade da coação ou ameaça à integridade física ou psicológica a que a testemunha está exposta (Lei n0 9.807/99, art. 3º);
- em caso de parecer do Ministério Público favorável à inclusão, o procedimento de triagem é finalizado com a realização de entrevista da vítima ou testemunha e seus familiares por uma equipe multidisciplinar do Gabinete de Assessoria Jurídicas às Organizações Populares - GAJOP, que se desloca para o local onde elas se encontram. Será então elaborado um parecer psicossocial do caso que visa ao atendimento do disposto no artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei n.º 9.807/99, que exclui do Programa pessoas com personalidade ou conduta incompatíveis com as normas de segurança por ele exigidas. Nesta oportunidade os interessados são informados de todas suas obrigações e deveres enquanto beneficiário do Programa;

- a partir da publicação da Portaria n.º 14/2001, o caso, devidamente instruído com o parecer jurídico do Ministério Público e parecer psicossocial da equipe técnica, será encaminhado pela Gerência ao Conselho Deliberativo Federal para deliberação sobre a sua inclusão ou não no Programa e, em caso de inclusão, o determinará providências de traslado e sua inserção na rede solidária de proteção;

- os beneficiários do Programa serão conduzidos por técnicos do GAJOP, sob escolta de policiais federais, a um dos Estados em que existe programa de proteção, onde serão inseridos na rede solidária de proteção;

b) Permanência Na Rede De Proteção:

- Já inseridos na rede solidária de proteção os beneficiários ficarão sob o acompanhamento da equipe técnica local e estarão sempre a disposição das autoridades responsáveis pela investigação ou processo criminal em que figuram como testemunhas para prestarem depoimentos;

- por ocasião de traslados para o cumprimento de convocações judiciais, que serão sempre encaminhadas pala a Gerência, os beneficiários serão acompanhados de técnicos da equipe do GAJOP sob escolta de agentes da polícia Federal;

- a Gerência manterá os beneficiários informados quanto ao andamento da investigação ou do processo criminal em que ele figura como testemunha, o que será efetivado por meio do encaminhamento de relatórios periódicos ao GAJOP;

c) Desligamento ou Exclusão:

- os beneficiários poderão, a qualquer momento, se desligarem do Programa. Devidamente instruídos pelos técnicos sobre as consequências de sua decisão e após assinatura de Termo de Exclusão, os beneficiários receberão os meios necessários para se deslocarem para o seu local de origem;

- finalmente, havendo violações às normas de segurança ou quaisquer outras transgressões às normas de conduta previstas pelo Programa, a equipe técnica deverá encaminhar ao Conselho Deliberativo, por intermédio da Gerência, um parecer que deverá subsidiá-lo na decisão sobre que providencias tomar (advertência formal ou exclusão).

Ao longo de todo o processo, em se verificando a impossibilidade de atendimento do caso pelo Programa, ele seja encaminhado aos órgãos de segurança pública (Serviço de Proteção ao Depoente Especial da polícia Federal ou órgãos estaduais) para a adoção das medidas julgadas cabíveis. Cumulativamente, a Gerência oficiará ao demandante quanto aos procedimentos e encaminhamentos pertinentes ao seu caso.

e) Benefícios Compreendidos Pelos Programas:

Após o procedimento de triagem e análise do caso, as testemunhas, vítimas e seus familiares são encaminhados a local seguro na rede solidária de proteção. A escolha do local e do protetor será feita tendo em conta as características sociais, culturais e psicológicas da testemunha e de seus familiares com vistas a facilitar a adaptação à nova vida.

Neste momento terá inicio o acompanhamento psicossocial oferecido pela equipe técnica, o qual se operacionalizará por meio de visitas periódicas e também atendendo a demandas emergenciais por parte dos beneficiários. Toda a equipe trabalhará no sentido de possibilitar a inserção em um novo espaço e rede social de relações.

Para garantir a qualidade de vida dos protegidos que não possuam fonte de renda1, o Programa disponibiliza, de modo geral, os seguintes benefícios: moradia devidamente mobiliada, pagamento das despesas referentes aos serviços de água e luz, alimentação, vestuário, material escolar, medicamentos, serviços médicos e odontológicos, educação, cursos profissionalizantes, acompanhamento psicológico, social e jurídico. São ainda fornecidos recursos financeiros no valor de um salário mínimo, a titulo de complementação de cesta básica, para a aquisição de alimentos perecíveis, bem como bolsa de trabalho no valor de um salário mínimo para cada adulto e de meio salário mínimo para adolescentes que desenvolvam atividade Iaborativa sem vencimentos, como treinamento ou estágio profissionalizante.

Cuidados especiais são dispensados no acompanhamento psicológico e social. No momento de ingresso dos beneficiários e seus familiares, os técnicos, em conjunto com a família, adequam os itens da cesta básica aos hábitos alimentares e culturais; realizam um planejamento do orçamento familiar; facilitam, por meio de intervenção técnicas, os vínculos entre o beneficiário e o protetor; informam sobre os equipamentos comunitários que poderão ser utilizados de forma segura; apóiam a inserção em entidades religiosas; adotam providências para garantir o ingresso de crianças e adolescentes na rede pública de educação, acompanhando ainda a adaptação e desempenho escolar; providenciam o ingresso e acompanham o desempenho em cursos e treinamentos em estágios profissionalizantes, entre outras medidas.

O acompanhamento psicológico busca garantir a minimização dos possíveis efeitos traumáticos da experiência de violência vivenciada, além de promover a tranquilidade e equilíbrio emocional garantidor de um testemunho qualificado, com credibilidade e força suficiente para influir na decisão de um processo. A intervenção psicológica visa a possibilitar a adesão às normas de segurança, minimizar a dor das perdas sofridas, zelar pela saúde mental e integração familiar. Objetiva, ainda, manter os vínculos com familiares que não ingressaram no programa, viabilizando a comunicação segura através de cartas, filmagens em vídeos e telefonemas. Em ocasiões especiais, e dependendo da segurança, poderão ser providenciados encontros entre os familiares. Em datas festivas, como Natal, aniversário, dia das crianças, Páscoa etc., a equipe providenciará para que possam ser comemoradas pelos beneficiários, fornecendo para tanto os meios necessários, como pequenos presentes, alimentos especiais etc.

Caso seja detectada alguma necessidade especial, serão os beneficiários encaminhados a psicoterapia ou a tratamento especializado, como, por exemplo, para usuários de drogas, serviços habitualmente oferecidos pela rede voluntária de prestadores de serviços.

Ao advogado caberá a acompanhamento jurídico do caso, buscando agilizar, junto ás autoridades competentes, os trâmites necessários à sua solução. informando as vítimas e testemunhas todas as etapas dos procedimentos criminais a elas referentes, acompanhando-as para prestar depoimentos sempre que solicitada pelas autoridades competentes.

Enfim, a equipe técnica, em conjunto com o protetor, apóia e fornece os meios disponíveis para que os beneficiários formulem e implementem projetos de vida autônomos e independentes, que irão garantir a sua qualidade de vida quando deixarem o Programa por qualquer das razões indicadas no artigo 10 da Lei n.º 9.807/99.

1- No caso de servidor público civil ou militar. a Lei nº 9.807/99 concede o direito à suspensão temporárias das atividades funcionais, sem prejuízo dos respectivos vencimentos ou vantagens. Pelo período que permanecer no Programa.


f) Requisitos Para Ingresso Nos Programas:


Esquematicamente, pode-se assim resumir os requisitos de ingresso nos programas de proteção, conforme determinação da lei n.º 9.807/99;

1) Situação de risco. A pessoa deve estar "coagida ou exposta a grave ameaça" (art.1.º, caput). Obviamente não é necessário que a coação ou ameaça já se tenham consumado, sendo bastante a existência de elementos que demonstrem a probabilidade de que tal possa vir a ocorrer. A situação de risco, entretanto, deve ser atual.

2) Colaboração. A situação de risco em que se encontra a pessoa deve decorrer, numa relação de causalidade, da colaboração por ela prestada a procedimento criminal em que figura como vitima ou testemunha (art. Lº, caput). Assim, pessoas sob ameaça ou coação motivadas por quaisquer outros fatores não comportam ingresso nos programas.

3) Personalidade e conduta compatíveis. As pessoas a serem incluidas nos programas devem ter personalidade e conduta compatíveis com as restrições de comportamento a eles inerentes (art. 2º, § 2º), sob pena de por em risco as demais pessoas protegidas, as equipes técnicas e a rede de proteção como um todo. Daí porque a decisão de ingresso só é tomada após a realização de uma entrevista conduzida por uma equipe multidisciplinar e os protegidos podem ser excluídos quando reiterarem conduta incompatível (art. 10, II, 'b').

4) Inexistência de limitações à liberdade. E necessário que a pessoa esteja no gozo de sua liberdade, razão pela qual estão excluidos os "condenados que estejam cumprindo pena e os indiciados ou acusados sob prisão cautelar em qualquer de suas modalidades" (art. 2º § 2º)

5) Anuíencia do protegido. O ingresso no programas as restrições de segurança e demais medidas por eles adotadas terão sempre a ciência e concordância da pessoa a ser protegida (art. 2º, § 3º) que serão expressas em Termo de Compromisso assinado no momento da inclusão.

Em síntese, pois, pode-se apontar como potenciais beneficiários do programa as pessoas que se encontram em situação de risco decorrente da colaboração prestada a procedimento criminal em que figuram conto vítima ou testemunha, que estejam no gozo de sua liberdade e cuja personalidade e conduta sejam compatíveis com as restrições de comportamento exigidas pelo programa, ao qual desejam voluntariamente aderir.

g) Serviço de Proteção ao Depoente Especial

Os casos que não preencherem esses requisitos não estão privados de eventuais medidas de proteção que se façam necessárias. Desde que a Lei n9 9.807/99 não alterou o dever constitucional dos órgãos de segurança pública de garantir a preservação da incolumidade física das pessoas (Constituição Federal, art. 144). o seu artigo 2º, parágrafo 2º, in fine, deixa claro que os indivíduos que não se adequarem às hipóteses de inclusão no Programa, em que pese se encontrarem em situação de risco, receberão dos órgãos de segurança publica o atendimento necessário a garantir a sua proteção.

A Lei n.º 9.807 estabeleceu no Brasil, portanto, um sistema misto para a proteção de vitimas e testemunhas: de um lado os programas de proteção, destinados aos casos que satisfaçam aos requisitos apontados no item anterior; e, de outro, os órgãos de segurança pública, que devem atender ás demais situações de proteção, notada aquelas relacionadas aos réus colaboradores.

No âmbito federal, para garantir a prestação de medidas de preservação da integridade física e psicológica de vítimas, testemunhas ou réus colaboradores que não preencham os requisitos de ingresso no Programa, ou dele tenham sido desligados, foi instituído, pelo Decreto nº 3.518, de 20 de junho de 2000, no âmbito do Departamento de Polícia Federal, o Serviço de Proteção ao Depoente Especial.

h) Depoimento de um voluntário

EU AJUDEI A PROTEGER UMA TESTEMUNHA

"Eu ajudei a proteger uma testemunha. Poderia ser uma vítima da violência, um familiar de testemunha ameaçado de morte. Poderia ser um trabalhador braçal, uma pessoa sofisticada, um informante da polícia. Poderia ser tudo, mas se resumia ao retrato acabado da luta pela sobrevivência. Mesmo uma sobrevivência de angústias, de medos, de segredos, de auto negação constante. E eu me vi fazendo parte, tentando colaborar, buscando ajudar a dar forma à caricatura em que havia se transformado aquela vida.

Eu já não precisava saber dos fatos. Já não precisava entrevistar, vasculhar, dar um furo. O meu 'hóspede' não era uma matéria jornalística. Era uma chance que a vida me dava de ajudá-la a não sucumbir diante da violência e do crime organizado.

"Eu ajudei a proteger alguém que tinha sua vida ameaçada. Por pessoas que não têm o menor pudor em matar, mutilar, destroçar famílias, corromper instituições, disseminar o império da morte. E me vi envolvido em uma causa nobre. Me vi participante da resistência à barbárie. E me alegrei com isso. E chorei por isso. Chorei ao ver a angústia, a sensação desesperadora da impotência. Chorei ao sentir a dor imensa da saudade alheia, elevada a níveis inimagináveis pela falta de comunicação, pela impossibilidade de um telefonema, um abraço, um beijo, uma noite de amor. Mas ao mesmo tempo me alegrei por fazer parte da esperança que se afirmava em cada dia a mais de vida. Na vitória cotidiana sobre a morte à espreita. E me alegrei por alimentar em mim mesmo a esperança de que aquela pessoa um dia poderia, vencida a última batalha. telefonar para os seus e dizer que estaria voltando para beijar, abraçar, acariciar e fazer amor. Só por essa esperança já vale a pena viver e lutar pela vida. Só para alimentá-la vale a pena correr riscos pessoais. Para ofertá-la a outra pessoa vale a pena acreditar e lutar pelo fim da impunidade. Vale a pena, sim, fazer da existência uma luta comprometida e determinada em favor da vida. Da vida de cada um e de todos."