Entrevista com o Promotor de Justiça Antônio José Mancilha

"É indispensável que o MP-AM busque atingir essas e outras políticas públicas de forma coordenada e uniforme com o fim de atingir as metas propostas e por fim, demonstrar os resultados de suas ações. Não há mais espaços para caminhos isolados sem foco institucional. É necessário firmeza, bons propósitos, espírito público e coragem para enfrentar esses desafios", Promotor Antônio José Mancilha.

AIDC: Como surgiu a vontade de ingressar na carreira jurídica? Em que ano ingressou no Ministério Público do Estado do Amazonas?

Antônio Mancilha: No que se refere a escolha da carreira, em parte,  se deu pelo fato de ter iniciado minhas atividades laborais no Tribunal de Contas da União, onde por longo anos desempenhei atividades que estavam voltadas para o conhecimento das ciências jurídicas, mas não só, uma vez que aquele graduado órgão também desenvolve tarefas que demandam conhecimento no campo das ciências contábeis, econômicas, de administração e fundamentalmente na área de técnicas financeira, orçamentária e patrimonial. A partir das opções já demonstradas, inclinei-me àquela que me oportunizaria mais chances no mercado de trabalho, tanto do ponto de vista institucional a que estava vinculado como também a do mercado externo. Esse norte baseava-se na minha necessidade premente de buscar maiores rendimentos para ajudar os meus familiares e ao mesmo tempo satisfazer uma vontade pessoal que era lidar com as letras jurídicas, fonte natural de defesa e promoção de justiça social. Formado na Universidade Federal do Amazonas, desempenhei minhas atividades além da  Corte de Contas também no exercício da advocacia, relevando que esta  última atividade somatizou a minha inserção aos quadros funcionais do combativo Ministério Público do Estado do Amazonas, a partir de 09 de fevereiro de 1996.

AIDC: Como foi sua passagem pelas comarcas? Há alguma lembrança que deixou saudades?

No MP-AM, após o estágio de adaptação na Capital onde desempenhei inicialmente o mister junto as várias promotorias de justiça, cíveis e criminais fui por fim, lotado na distante comarca de Atalaia do Norte na região do Alto Solimões, onde como titular permaneci até o ano de 2003. Nesse lapso de tempo, refiro-me a data da posse e exercício na comarca de origem, atuei também por designação em várias outras comarcas, a exemplos de Benjamin Constant, Tabatinga, Fonte Boa, São Paulo de Olivença, Tapauá, Carauari, Iranduba, Novo Airão, Caapiranga, Anori, Nhamundá e Guajará, além de ter participado em quatro (04) oportunidades da caravana interiorana nos Municípios de Manacapuru, (02) duas vezes, Caapiranga e Manaus, uma cada, cujo objeto principal tinham entre outros propiciar as pessoas o direito ao primeiro registro civil de nascimento. A partir de maio de 2003 fui promovido pelo critério de merecimento a Comarca de Anamã, onde fiquei como titular até 30 de outubro de 2008, quando também por merecimento, fui promovido para a Capital para atuar perante a 60ª Promotoria de Justiça Especializada no Controle Externo na Atividade Policial. Por fim, por remoção, a partir de 07 de junho de 2010, fui promovido também por merecimento para a 57ª Promotoria de Justiça Especializada na Proteção e Defesa dos Direitos do Cidadão, local onde atualmente desempenho minhas atividades laborais.

Quanto as lembranças e saudades são muitas, mas coleciono a título de resposta apenas duas. A primeira lembrança é da falta  do contato pessoal dos interioranos com a figura do promotor de justiça. No interior, diferentemente da Capital, as pessoas veem no agente ministerial, alguém que possa resolver todos os seus conflitos de interesse, e estes se alinham a toda ordem. O representante ministerial deve está atento a esta demanda do povo, sem contudo se afastar do foco institucional. Lembro-me em Atalaia do Norte do carinho das pessoas comigo, fato aliás, modestamente, também verificado entre outras comarcas. Mas, naquela localidade especialmente durante o meu café da manhã era sempre presente alguma pessoa comum do povo,  e  não raro, trazendo frutas e outras guloseimas para mim. Num desses dias, precisamente naquele em que deveria retornar a cidade de Manaus, o vigia do prédio onde morava trouxe-me um pacote de goma (derivado de mandioca de cor branca), que pretendia que eu levasse para meus familiares. Gentilmente, agradeci a oferta e disse-lhe que morávamos numa região onde o tráfico de entorpecente era muito presente, e por certo, no aeroporto da cidade de Tabatinga, para onde deveria ir poderiam confundir referida substancia como algo ilícito. Na região do Alto Solimões a influência do tráfico de entorpecentes até hoje é muita intensa. Não raras vezes, tive que promover pelo arquivamento de inquéritos policiais sobre crimes de homicídios, que em a princípio atribuídos aos silvícolas da tribo denominado korubus (civilização que até 1999 não havia registro de contato com os chamados de civilização branca), e portanto inimputáveis. A questão fática residia na particularidade do modus operandi dos delitos cujos ferimentos das vítimas eram sempre uniformizados, quais sejam: cabeça esfacelada, vísceras expostas, subtração do fígado e, por fim, a presença ao lado da vítima, do instrumento do crime (lanças e tacapes), tudo para insinuar  que o delito teria sido cometido por algum silvícola. Nesse contexto, e também em razão da notória deficiência investigativa, a exemplo da falta de uma perícia técnica de bom nível, a destinação das ocorrências sempre eram a mesma, o arquivamento.

A minha trajetória ministerial sempre foi pautada pelo respeito as pessoas indistintamente e também a instituição a que me orgulho de ser um dos seus integrantes. O Ministério Público como instituição pública defensora dos interesses sociais, da ordem jurídica e democrática sempre buscou cumprir o seu papel perante a sociedade brasileira. Os exemplos dessa efetividade se consubstanciaram a partir da CF/88, quando o órgão passou a identificar a ineficiência do Estado na realização de políticas públicas em prejuízo da sociedade. A título exemplificativo, relacionamos as questões de segurança pública, saúde, educação, urbanismo, meio ambiente, controle externo da atividade policial, infância e juventude, etc.

No âmbito local essa busca foi incessante. A falta de estrutura histórica do MPE nas comarcas do interior nunca foi obstáculo para se alcançar esses objetivos. Há registros de enfrentamento, de apreensão e medo no exercício profissional do membro institucional, mas ressalvo, nenhuma dessas situações afastaram o ímpeto e a coragem de seus integrantes em buscar a verdade, mesmo quando estas atingiram direta ou indiretamente algum de seus integrantes.

Assim a avaliação positiva, tem dois momentos, o primeiro quando com pouca estrutura tanto na Capital e Interior, buscou-se sempre o bem comum social, ora judicializando as ações ora com resoluções extrajudiciais. Outra quando a partir de 1999, salvo engano, adquiriu nova estrutura funcional na Capital oportunizando melhores condições de trabalho. Registre-se ainda o avanço com a contratação de mais promotores de justiça, servidores, equipamentos e o alcance de parte de algumas políticas públicas, a exemplo pontual na área do meio ambiente e cidadania.

É forçoso entretanto reconhecer que a ausência nos anos passados de um plano estratégico institucional poderia ter trazidos resultados mais significativos para os dias de hoje.  Aliás esta ausência, é o reflexo da falta de diagnóstico atual de alguns gargalos de políticas públicas que hoje infelizmente são pontuadas ao gosto político eleitoreiro dos gestores públicos, sem infelizmente uma influência mais contundente do Parquet.

Nesse cenário, identificamos no Poder público a contumaz prática dos processos seletivos em detrimento do concurso público, a utilização de professores ministrando aulas em dissonância com sua formação profissional, contratos de bens imóveis particulares para fins escolares sem a mínima condição de funcionamento; precários serviços de atendimento a saúde, notadamente pela ausência de profissionais médicos, a exemplo dos programas de saúde da família, não priorização do ensino fundamental em detrimento da institucionalização do bolsa universidade, espaços públicos de feiras, mercados, e de lazer ocupados sem licitação pública, enfim, um verdadeiro corolário de atividades irregulares.

É indispensável que o MP-AM, busque atingir essas e outras políticas públicas de forma coordenada e uniforme com o fim de atingir as metas propostas e por fim, demonstrar os resultados de suas ações. Não há mais espaços para caminhos isolados sem foco institucional. É necessário firmeza, bons propósitos, espírito público e coragem para enfrentar esses desafios.

AIDC: Qual é a função do Promotor de Justiça que atua na Defesa dos Direitos Constitucionais do Cidadão?

Quando se fala em defesa dos direitos do cidadão, se entenda também a  proteção deste a luz da CF e outras normas infraconstitucionais. O Ministério Público ao focar através dos seus órgãos de execução esta nobre tarefa o fez ao ditame da novel ordem fundamental, qual seja, o de fiscalizar através dos meios jurídicos disponíveis,  o devido respeito aos cidadãos independente de sua cor, raça, religião, opção sexual, o direito a vida, saúde, educação, segurança, etc. Nessa linha, deve o promotor de justiça garantir os direitos coletivos, difusos e aqueles individuais indisponíveis e homogêneos.

AIDC: E hoje, qual o trabalho da sua Promotoria?

Exatamente garantir através dos meios disponíveis juridicamente a defesa coletiva, difusa e também do direito individual indisponível e homogêneo. Esta ação se dá através dos mecanismos de investigação decorrente de denúncias recebidas através do sistema on-line, diretamente através do CAPS e também ex ofício.

AIDC: Acredita que houve uma evolução do Ministério Público nesse tempo de atuação como Promotor de Justiça?

Não há dúvida que houve muitos avanços. O Ministério Público brasileiro a partir da Carta de 1988, mudou o seu perfil de atuação, passando da trincheira de acusador sistemático da ação penal, para o garantidor do implemento das políticas públicas, e neste particular, dependendo de outras nuances teve melhor ou maior atuação. É notório o combate a corrupção, ao crime organizado e a ausência de políticas públicas. O Ministério Público também se organizou institucionalmente com a criação do Conselho Nacional do Ministério Público e suas instituições associativas, a exemplo da CONAMP e CNPG e associações estaduais. Há contudo espaço ainda para se expandir notadamente na parte de estratégia. É visível ainda que não temos um plano institucional a nível nacional que direcione as políticas no âmbito ministerial. Reconheço que houve avanços pontuais, mais ainda é incipiente, e há gargalos a exemplo do controle externo da atividade policial. Esta atividade pode e deve ser compreendida não só como instrumento de interação e cooperação com as polícias, mas, data vênia, o órgão de execução do controle externo da atividade policial, deve e pode, ser instrumento com capacidade postulatória para defender o plano estratégico de segurança pública, do controle interno das polícias, do aparelhamento de suas politicas técnicas e científicas, enfim, de inúmeras outras metas que hoje estão a mercê do administrador de plantão.

AIDC: Qual dica daria para quem quer seguir carreira no Ministério Público?

Ter vocação para defender os interesses sociais, perseverança e espirito público aos desafios institucionais.